Advogados que atuam em demandas repetitivas, ações coletivas e causas envolvendo pagamentos decorrentes de liminares acabam, cedo ou tarde, lidando com a angústia de clientes que se veem diante de ordens de devolução de valores após a queda da tutela provisória. Agora, uma nova tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça muda significativamente esse cenário e abre um espaço argumentativo valioso.
A tese do IAC 17: devolução não é automática
A 1ª Seção do STJ, no Incidente de Assunção de Competência nº 17 (REsp 1.860.219), firmou entendimento segundo o qual o beneficiário de ação coletiva não está automaticamente obrigado a restituir os valores recebidos por força de liminar posteriormente revogada.
O Tribunal reconhece que a queda da tutela provisória não funciona como um gatilho automático para exigir a devolução integral — e que essa discussão pode (e deve) ser travada em ação individual, considerando a realidade concreta de cada pessoa.
O caso que deu origem ao precedente
A controvérsia surgiu em uma ação coletiva proposta por servidores públicos, que passaram anos recebendo parcelas de natureza remuneratória amparadas em uma tutela liminar. Após a revogação, a sentença determinou a devolução dos valores.
Diversos servidores, então, ajuizaram ações individuais para evitar a restituição, alegando:
- boa-fé no recebimento;
- caráter alimentar das verbas;
- princípio da confiança legítima;
- impacto desproporcional na vida financeira dos beneficiários.
O STJ acolheu a possibilidade de análise individualizada, afastando a ideia de que a decisão coletiva seria um “carimbo” automático sem margem para ponderação.
Coisa julgada coletiva não engessa o caso concreto
O Tribunal pontuou que a coisa julgada coletiva não impede o exame das particularidades do beneficiário em sua ação própria. Pelo contrário: a segurança jurídica deve conviver com a boa-fé, a confiança legítima e a análise proporcional dos efeitos da devolução.
Esse entendimento reforça que, mesmo em ações coletivas, a Justiça não pode ignorar o impacto humano, especialmente quando se trata de verbas alimentares já incorporadas ao orçamento familiar ao longo de anos.
O que muda na prática?
O precedente abre um campo estratégico poderoso para advogados:
- Servidores públicos: podem discutir a não devolução individualmente, amparados na boa-fé e no caráter alimentar.
- Consumidores: reforça teses em casos de cobranças retroativas ou revisões de benefícios coletivos.
- Contribuintes: amplia a margem para evitar compensações ou restituições automáticas após decisões coletivas desfavoráveis.
Além disso, o STJ reforça um recado importante ao Judiciário: a devolução total não pode ser aplicada como regra mecânica, devendo-se observar as circunstâncias concretas, sem esvaziar o valor das ações coletivas, mas garantindo justiça no caso a caso.
Um precedente que equilibra coletividade e sensibilidade jurídica
A tese do IAC 17 reposiciona o debate e oferece ao operador do direito uma linha argumentativa sólida, moderna e mais humana. É uma decisão que promove equilíbrio: reconhece a força das ações coletivas, mas impõe que seus efeitos não atropelam a boa-fé de quem confiou, por anos, em decisões judiciais válidas enquanto vigoraram.


